terça-feira, 19 de agosto de 2008

AOS NOBRES COLEGAS PROFESSORES

Movida pelo sentimento de indignação ao ler uma matéria na revista Veja nº 33 datada de 20-08-2008 e intitulada: "PRONTOS PARA O SÉCULO XIX", decidi partilhar com os ilustres colegas a dor gerada pelo equívoco e pela falta de esclarecimento pedagógico por parte da revista.

Como Veja diz na própria matéria: "vamos falar sem rodeios". Nossa prática pedagógica está sendo questionada, atitude que muito me apraz como educadora que deseja estar sempre sendo avaliada a fim de melhorar sua prática, ampliar e até mesmo modificar suas concepções pedagógicas. No entanto, muito me impressiona a afirmação da revista Veja, citando pesquisas, que "para os brasileiros tudo vai bem nas escolas" e que na realidade o sistema é medíocre. Ora, até que nós, educadores, adoraríamos que a premissa do "vai bem" fosse realidade, pois é para isso e por isso que carregamos a marca visionária de "lentes", e enfrentamos corajosamente os entraves e percalços da educação brasileira. Não somos heróis, nem vilões, somos apenas uma categoria profissional que, nascida da necessidade de atender à elite colonizadora em nosso país, para socorrê-la de um "racha" com a Igreja jesuíta, teve a chance de se estabelecer laica. Segundo argumenta a matéria, os educadores estão pregando doutrinas esquerdizantes e induzem politicamente seus alunos a pensarem como manifestantes do século XIX em pleno século XXI, isso com a " justificativa de incentivar a cidadania" pregando que máquinas tiram empregos.

Fomos rotulados de instrumento de alienação, de meros "leitores de resumos de grandes pensadores", ou seja, de inócuos saudosos de algo que verdadeiramente não conhecemos. Não chega a ser dramática, mas é espantosa a capacidade, ou melhor, incapacidade da revista ao classificar como descomprometido o profissional de educação quando essa alega que estamos mais preocupados em formar cidadãos que aplicar os conteúdos das disciplinas previstos nos planejamentos anuais. Ingenuidade pérfida esta. Não bastasse o mau propósito, ainda envolve os pais de alunos usando o que é mais precioso para a educação contra a própria educação: o conhecimento. É imperdoável, à luz de quem é profissional, dizer que está em segundo plano ou em plano nenhum o compromisso com o cumprimento do programa das disciplinas. Talvez isso se afirme por nossa maior preocupação, na verdade, não ter sido repassar conhecimentos pré-estabelecidos e impô-los a nossos alunos como verdades absolutas, bem é verdade que a partir desses conhecimentos e da compreensão das múltiplas realidades que envolvem o educando procuramos desenvolver neste não apenas a aquisição, mas a produção do conhecimento. Ser "bamba em matemática e saber interpretar texto" sem compreender o que se está fazendo, sem conseguir inserir o que se sabe no contexto social a fim de tomar posse do conhecimento, chega a ser ridículo, é promiscuidade intelectual. Flexão, bem como adequação de planejamento pedagógico nunca será abandono de proposta curricular, trata-se apenas de mais um repensar dentre as tantas formas de tornar viável o projeto pedagógico.

Na mesma matéria também se podem observar severas críticas às formas de abordagens e explanação dos conteúdos. A escolha do livro didático sempre foi um desafio para nós educadores, visto que não há livro perfeito. Procuramos acertar na indicação, mas isto não garante o texto imaculado e sem equívocos. Assim fosse, seríamos homens de um livro só. O sonho de um mundo menos desigual e mais justo está longe, mas bem longe, de ser uma doutrina marxista comunista, mas está muito próximo dos anseios de qualquer ser humano que deseje perpetuar sua raça, ainda que ele mesmo seja a sua maior ameaça. Portanto, se Marx ainda incomoda, algo está muito equivocado.

Acredito, apesar da desconstrução dos valores e do caos em que nos metemos nos últimos séculos, que a educação ainda é viável. Não é desmoralizando, minimizando e humilhando os profissionais de educação que a revista Veja contribuirá de alguma forma para a melhoria da educação, nem mesmo fazendo patéticas enquetes com professores sobre baluartes da física alemã ou da pedagogia brasileira, tão oprimida. Nós buscamos soluções, esta é a função de quem está envolvido e tem compromisso com a educação. Se a revista não consegue sugerir algo de bom que realmente valha a pena e que contribua favoravelmente para a educação, ao menos nos poupe do juízo de valor legado ao educador Paulo Freire como sendo uma farsa educativa em função e a serviço de ideologias esquerdistas. Fácil é afirmar que o sistema é medíocre e não apontar mudanças. Estas mudanças por que tanto lutamos e somos tão incompreendidos. Não existe conhecimento estanque, não podemos pensar em educação sem fazer a cada instante uma revolução no conhecimento. Está provado!


Rejane Bezerra Campos de Melo, professora de língua portuguesa.Recife, PE