terça-feira, 25 de março de 2008

CARTA ABERTA DO CORONEL PAÚL - PMERJ

SEXTA-FEIRA, 22 DE FEVEREIRO DE 2008
COMANDANTES GERAIS DAS POLÍCIAS MILITARES DO BRASIL - CARTA ABERTA
RIO DE JANEIRO

21 de fevereiro de 2008

Eu, Paulo Ricardo Paúl, cidadão brasileiro, natural do Rio de Janeiro, nascido em 27 de julho de 1957, Coronel de Polícia do serviço ativo, incorporado em 26 de fevereiro de 1976, lotado na Diretoria Geral de Pessoal, sem função e tendo como última função a de Corregedor Interno, publicamente, solicito aos Coronéis de Polícia do Brasil, no exercício da função de Comandantes Gerais, que desenvolvam as seguintes providências, em respeito à honra pessoal, ao decoro da classe e ao pundonor Policial Militar:

1. Reúnam os Comandantes, Chefes e Diretores de todas as Organizações Policiais Militares e leiam essa Carta Aberta;
2. Determinem que cada Comandante, Chefe ou Diretor reúna os Oficiais sob suas ordens e leia essa Carta Aberta;
3. E que os Oficiais reúnam todos os Praças sob suas ordens e leiam essa Carta Aberta.

“A gloriosa e heróica Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, gênese de todas as Polícias Militares do Brasil, se encontra sob "intervenção" do Poder Executivo Estadual.
Uma "intervenção" que tem por objetivo manter excluídos da cidadania os Militares de Polícia, que percebem salários famélicos e que trabalham sob as piores condições possíveis.
Essa foi a resposta dada à mobilização cívica promovida pelos “Coronéis Barbonos” e pelos “40 da Evaristo”, que cobravam o resgate da cidadania do Policial Militar, através da concessão de salários dignos e de adequadas condições de trabalho.
O Policial Militar do Estado do Rio de Janeiro arrisca a sua vida diariamente em defesa do cidadão fluminense, recebendo menos de R$ 30,00 (trinta reais) por dia, metade do que recebe uma diarista para limpar uma residência de classe média.
O Chefe do Poder Executivo, diante das justas reivindicações feitas para o resgate da cidadania do Policial Militar - que recebe o segundo pior salário do Brasil -, responde com a inércia própria dos que esquecem as promessas, o que faz com que a mobilização cívica ganhe as ruas e receba o apoio da Sociedade Fluminense.
Atos cívicos ocorreram ordeira e pacificamente, comparecendo Oficiais e Praças, todos de folga, em trajes civis e desarmados.
A população aplaude os nossos pleitos.
Os nossos direitos constitucionais estavam sendo exercidos sem causar qualquer transtorno ao cidadão fluminense.
Impotente para reverter o maciço apoio da Sociedade Fluminense, surge o autoritarismo e o arbítrio, como tentativas de enfraquecer a nossa mobilização cívica.
O nosso digno e competente Comandante Geral - Coronel de Polícia Ubiratan de Oliveira Angelo - foi “arrancado” da função no terrível dia 29 de janeiro de 2008.
Sob um “regime intervencionista”, a troca do Comando Geral ocorreu sob as vistas do Secretário de Segurança e entre quatro paredes, longe da tropa, da população fluminense e da mídia, impedida de cobrir o evento.
Um ato de autoritarismo sem precedentes na história brasileira e na heróica história das Polícias Militares.
No auge do exercício de uma postura antidemocrática, é imposto como Comandante Geral da PMERJ um dos Coronéis Barbonos, coronel que desde o início da mobilização cívica participou de todos os atos e assinou todos os documentos, inclusive o compromisso de não assumir o Comando Geral, em nenhuma hipótese.
Ele assume e simultaneamente fere de morte a sua honra pessoal, o que determina a sua indicação para submissão à análise ética do Conselho de Justificação, na conformidade da lei, o que não ocorrerá nesse período de exceção.
E a partir desse dia, com a imposição de um comando sem qualquer legitimidade junto aos Oficiais e aos Praças, temos assistido toda a sorte de arbitrariedades e de oportunismos, interna corporis.
A honra pessoal foi posta de lado, como se pudesse ser guardada no armário do alojamento.
Tenham certeza, Policiais Militares do Brasil, temos lutado contra tudo isso, com todas as armas que a legislação permite e que a dignidade exige.
Temos buscado o Judiciário e o Ministério Público, além de todos os recursos administrativos.
Porém, essa é uma luta muito difícil, uma luta contra o poder!
Um poder que tudo pode na sua onipotência.
Um poder que faz e desfaz decretos segundo os seus interesses pessoais, com o claro objetivo de constranger os Oficiais mobilizados civicamente.
Ameaças passam a fazer parte do vocabulário castrense, com o objetivo de cercear a nossa cidadania.
E a palavra “traição” passou a habitar a caserna.
Lutamos uma “guerra” contra a opressão civil, uma verdadeira “ditadura de terno e gravata”.
Lutamos e continuaremos lutando, pois não conhecemos derrotas.
E continuaremos lutando até o restabelecimento da honra institucional e da nossa honra pessoal, não tenham dúvidas sobre isso.
As ofensas dirigidas publicamente a Coronéis de Polícia, citados como chatos, sindicalistas, irresponsáveis e que não desejam trabalhar, não ficarão sem respostas a altura, tenham certeza.
Realizaremos tantos atos cívicos quantos forem necessários para mobilizar toda a sociedade fluminense – o cliente dessa insegurança pública – na luta pelo resgate da cidadania do Policial Militar.
Por derradeiro, esclareço a motivação dessa “Carta Aberta”: o pedido para que tomem todas as providências cabíveis para evitar que os dias de terror vivenciados na gloriosa e heróica Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro nunca ocorram na Polícia Militar que vocês escolheram para servir, para amar e para morrer, se preciso for!
Façam ecoar o nosso brado por todo esse país continente, esse Brasil que afunda no lamaçal dos escândalos políticos de cada dia, nos escândalos de terno e gravata:

“JUNTOS SOMOS FORTES!”


PAULO RICARDO PAÚL
CORONEL DE POLÍCIA

terça-feira, 18 de março de 2008

VOCÊ SABE QUE ESTÁ VIVENDO NO SÉCULO XXI QUANDO...

Contribuição: Demócrito Oliveira

1. Você envia e-mail ou msn para conversar com a pessoa que trabalha na mesa ao lado da sua.

2. Você usa o celular na garagem de casa para pedir a alguém que o ajude a desembarcar as compras.

3. Esquecendo seu celular em casa, coisa que você não tinha há 20 anos, você fica apavorado e volta buscá-lo.

4. Você levanta pela manhã e quase que liga o computador antes de tomar o café.

5. Você conhece o significado de naum, tbm, qdo, xau, msm, dps...

6. Você não sabe o preço de um envelope comum;

7. A maioria das piadas que você conhece, você recebeu por e-mail (e ainda por cima ri sozinho...);

8. Você fala o nome da firma onde trabalha quando atende ao telefone em sua própria casa (ou até mesmo o celular !!);

Você digita o '0' para telefonar de sua casa;

10. Você vai ao trabalho quando o dia ainda está clareando, volta para casa quando já escureceu de novo;

11. Quando seu computador pára de funcionar, parece que foi seu coração que parou,

11. Você está lendo esta lista e está concordando com a cabeça e sorrindo.

12. Você está concordando tão interessado na leitura que nem reparou que a lista não tem o número 9.

13. Você retornou a lista para verificar se é verdade que falta o número 9 e nem viu que tem dois números 11.

14. E AGORA VOCÊ ESTÁ RINDO CONSIGO MESMO...

15. Você já está pensando para quem você vai enviar esta mensagem...

16. Provavelmente agora você vai clicar no botão 'Encaminhar'... é a vida... fazer o quê... foi o que eu fiz também...

"Feliz modernidade"!!!

segunda-feira, 17 de março de 2008

Saiu a nova tabela de vencimentos da PMDF


Nova tabela de vencimentos da PM DF



Cel - R$ 15.355,85


Ten Cel - R$ 14.638,73


Major - R$ 12.798,35


Capitão - R$ 10.679.82


1º Tenente - R$ 9.28356


2º Tenente - R$ 8.714,97


Aspirante - R$ 7.499,80


Subtenente - R$ 7.608,33


1º Sargento - R$ 6.784,23


2º Sargento - R$ 5.776,36


3º Sargento - R$ 5.257,85


Cabo - R$ 4.402,17


Soldado 1ª Classe - R$ 4.129,73


Soldado 2ª Classe - R$ 3.031,38

sexta-feira, 14 de março de 2008

200 anos de que?

Efusivamente tem-se propalado, nos meios de comunicações, as festividades comemorativas aos 200 anos da chegada da família real ao Brasil. Obviamente, a vinda da distinta família às terras tupiniquins representou um avanço para a então Colônia portuguesa.

Dom João, teve seus méritos, em especial na promoção das artes e das ciências. Porém, não devemos esquecer o quanto de malévolo representou esse período na história brasileira. Muitos são os episódios insólitos, os casos de corrupção, esperteza e arrogância que envolveu a corte no período da aventura tropical.

Trata-se e mostra-se um rei bonachão e comedor de frangos (600 quilos ao dia era a quantidade de aves necessárias para alimentar a incomensurável fome da família real e seus convivas). No entanto, pouco se fala nas peraltices de infante Dom Pedro e seu inseparável amigo Chalaça, das suas aventuras amorosas, da venda dos pangarés, do tráfico de influências de Domitila (a marquesa de Santos) e suas mansões custeadas pelo dinheiro da coroa.

Dar-se um ar de altivez, bravura e nobreza até mesmo na famosa cena da proclamação da independência, quando o infante encontrava-se em São Paulo, fazendo sabe-se lá o que e montado em um jumento, catapultado a condição de belo cavalo puro sangue e selo real. Soldados em uniforme de gala – piada. Visão épica distorcida de qualquer contexto de realidade.

Por seu turno, o intrépido Dom João dava mostras constantes da sua dependência do império britânico e de seus interesses. Promoveu-se a abertura dos portos, o financiamento público e dos luxos da corte portuguesa a base do primeiro endividamento externo do Brasil. Deflagrou-se uma guerra imoral com o Paraguai tudo a mando e interesses da real coroa (a inglesa).

Vejo mais os prejuízos que as benesses em relação a esse período da história do Brasil. Nele, se avolumaram os gastos, o tráfico de influências e comissionamentos. O apadrinhamento político, um número sem-fim de casos de corrupção e escândalos, a apropriação de bens, o aumento sem precedentes da concessão de títulos nobiliários em troca de doações de propriedades.

Não menos espetacular foi o retorno da corte às terras portuguesas, quando o “bonachão” levou consigo todo o lastro econômico da colônia, deixando-a a bancarrota.

Não vejo motivos para faustos. Antes, é motivo de lamento. É necessário contar a história como ela efetivamente aconteceu e tê-la como uma farsante, afinal as mesmas mazelas ainda assolam a nação e a pátria brasileira. Então, revivamos Machado[1] - “Ao vencedor, as batatas!”.

Cônscios de que nossa atualidade reproduz ipsi literis aqueles dias de Dom João, necessário se faz tratar os fatos não como mera semelhança. Infelizmente (para o povo brasileiro), é questão de maldita e hedionda herança.


Alexandre Carneiro Gomes de Melo

É Pós-graduado em capacitação pedagógica

Presidente do Instituto Collectivus

Organizador do Blog do Limão


[1] Assis, José Machado. Quincas Borba – Rio de Janeiro – Brasil – Fundação Biblioteca Nacional

segunda-feira, 10 de março de 2008

Questão de ordem

Tenho acompanhado atentamente as discussões sobre o uso das famigeradas células tronco embrionárias na mais alta corte brasileira. É evidente que um assunto da magnitude e importância que esse apresenta, traz (e ainda trará) muita luz à discussão, tanto no meio científico, quanto no meio religioso, político e, por que não dizer, econômico também.


A aprovação ou não das pesquisas, com essas células, poderá dar ânimo novo às ciências ligadas a área da saúde. O tratamento com células tronco já tem apontado resultados dos mais promissores para diversas pessoas que sofrem de doenças, cuja cura, até então, era algo para muito além de uma possibilidade real. Por outro lado, há uma séria questão ética que não encontra consenso nem mesmo na classe médica, nem junto aos demais acadêmicos ligados à saúde.
Por trás de toda discussão, há como apanágio a questão da vida e, nesse caso, a grande pergunta a ser respondida é: Os estudos com as células tronco embrionárias representam ou não ceifar a vida de outro ser humano?


Parece-me uma questão bem interessante – saber quando realmente começa a vida; Ela tem inicio na fecundação, mesmo que in vitro, ou dá-se após a implantação do óvulo no útero de uma mulher, para que se desenvolva em toda sua plenitude?


É justamente nesse ponto que procuro entender os ânimos e vontades geradores de posicionamentos tão extremados de lado a lado. Pois, vejo que, por coerência do pensar doutrinário da igreja católica, a possibilidade de fecundação in vitro jamais poderia ser aceita. Ao contrário, deveria alinhar-se com a postura de combate ao uso dos meios contraceptivos artificiais. Contra os quais há uma ferrenha celeuma e não aceitação.


Bom, partindo-se do princípio que a fecundação in vitro ocorre necessariamente dentro de um laboratório, portanto, fora do corpo humano e, ato reflexo da manipulação humana do processo natural de fecundação, como justificá-la e aceitá-la como um método permitido à luz da teoria católica? Mas, mesmo assim, a igreja o aceita como forma de geração da vida. Ora, se há uma forte indicação contrária aos métodos contraceptivos não naturais, seria de se esperar que houvesse posição semelhante na questão da fecundação extracorpórea. No entanto, não é a isso que se assiste.


Creio que nesse ponto a igreja deveria rever sua posição. Pois, o material genético que está nos laboratório, jamais irá ser implantado no ventre de qualquer mulher e, a essa altura, constitui-se em resíduo de um processo que a própria igreja admite. Cujo destino mais provável, caso a suprema corte considere anticonstitucional a lei de biosegurança, seja mesmo o lixo. Perdendo-se de vista a nobre função da pesquisa científica e atrasando a possibilidade de cura par milhões de seres humanos.


Façamos um paralelo com duas outras questões que em muito emperraram as engrenagens do conhecimento humano, em função da dogmática católica – primeiramente observemos a questão da teoria heliocentrista, apresentada por
Nicolau Copérnico, contradizendo o geocentrismo, proposto por Ptolomeu e defendido pela igreja católica até quando não havia mais sentido mantê-lo. Na ocasião, a igreja não só discordou de Copérnico, como o fez retratar-se e desmenti seus próprios estudos, sob pena de arder na fogueira da santa inquisição. Esse episódio contribuiu, sobremaneira, para atrasar em pelo menos meio século o progresso das ciências náuticas. Um segundo fato que trago à baila é a questão dos estudos antropométricos de Leonardo da Vinci, realizados em meio ao medo da fogueira e a ira papal. No entanto, qual teria sido o futuro da anatomia, da medicina legal e de tantas outras ciências que necessitam manipular corpos humanos (cadáveres) para poderem se desenvolver?


Espero que a suprema corte e seus ilustres ministros mantenham a tendência de voto (já declinada), e optem pelo bom senso e a racionalidade, propiciando a continuidade das pesquisas e a fé de muitos cristão que poderão, através delas, obterem suas curas.

Afinal os doentes de corpo são bem mais fáceis de serem tratados, já aos engessados de mente só lhes restam agarrar-se aos dogmas e paradigmas como panacéia.

Alexandre Carneiro Gomes de Melo

É Major da Polícia Militar de Pernambuco

Pós-Graduado em Capacitação Pedagógica pela UFRPE

Presidente do Instituto Collectivus

Responsável pelo Blog do Limão

terça-feira, 4 de março de 2008

Filtragem Racial na Prática Policial

Entre os policiais, entende-se que é politicamente correto dizer que não existe a filtragem racial, pois em contrário assumir-se-ia uma posição que negaria o pensamento ainda hegemônico de que a cor da pele não é obstáculo às conquistas sociais, ou seja, que no Brasil há uma verdadeira democracia racial. Nesse sentido, pode-se identificar o que Paul Amar (2005, p.239) denomina de “cegueira racial”, quando as instituições não reconhecem a raça como componente fundamental da suspeição, “recusando-se a ver através da lente da análise racial e ignorando as hierarquias raciais”. Assim, é comum não haver, por parte das instituições, qualquer questionamento sobre procedimentos que, tidos neutros, ou seja, não tendenciosos, mascarem essa filtragem. Se hoje, essa filtragem é mascarada; no passado, era aberta.

Holloway (1997, p.63) afirma que, após 1808, as instituições criadas para assumir a função polícia foram empregadas muito mais na apreensão de escravos fugitivos do que em outras categorias. Para esse autor, as instituições policiais foram criadas para aumentar o potencial de enfrentamento das elites, pois as camadas inferiores, oriundas de um sistema escravocrata, com mínimas chances de desenvolvimento, exerciam pressões (Hollway, 1997, p.31).

Arrematando seu raciocínio, Holloway (1997, p.264) aduz que, além de haver a continuidade da hierarquia social com a preservação de todos os valores inerentes ao status quo, as instituições policiais foram criadas para atuar nos “efeitos sociais do colapso da velha ordem”, em que não foram desenvolvidas estruturas para proporcionar a um contingente cada vez maior de homens livres, as mínimas condições para que se pudesse viver com dignidade. O desenvolvimento desse aparato de controle “possibilitou à elite política e econômica conservar a vantagem na guerra social, controlar os escravos e seus sucessores funcionais e manter a ralé recuada (grifos nossos). O Brasil convive com isso até hoje”. Para Mariano (2004, p.20), era contra essa “ralé” que se dirigiam as atenções do aparato policial recém-estruturado, acrescentando que “não é por acaso que os órgãos de segurança pública no Brasil têm tradição racista (grifos nossos)”.

Segundo Amar (2005), o termo filtragem racial (racial profiling) é empregado hoje nos Estados Unidos para descrever a conduta policial de parar veículos em rodovias para serem revistados, utilizando-se de critérios raciais. Como não há dados em relação ao número de condutores por cor da pele que trafegam nas principais rodovias da Região Metropolitana do Recife, a fim de aferir se há sobre-representação de negros condutores na seleção de veículos parados, Barros (2006, p.100), aplicando questionários a 469 policiais militares da Polícia Militar de Pernambuco, procurou identificar se havia filtragem racial na ação policial de parar veículos para vistorias. Os dados referentes a essa categoria de ação policial podem ser vistos nas tabelas 01, 02 e 03.


Tabela 01: cor do suspeito x tipo de carro (Profissionais)

O mais suspeito Freq. %

Independe 259 56,7
Negro dirigindo carro de luxo 99 21,7
Outro 31 6,8
Branco dirigindo carro popular 18 3,9
Negro dirigindo carro popular 17 3,7
Negro dirigindo carro popular velho 12 2,6
Branco dirigindo carro de luxo 12 2,6
Branco dirigindo carro popular velho 9 2,0
Total 457 100,0

Observação: 12 não informado
Fonte: Barros (2006, p.100)

Visualizando-se a tabela 01, verifica-se que, com exceção da opção independe, os policiais consideram que a situação mais suspeita entre pessoas negras e brancas, quando na condução de um veículo, é a negra dirigindo um carro de luxo. Nesse aspecto, não havendo qualquer referência a outras variáveis, pode-se deduzir que a cor constitui filtro de suspeição.

Tabela 02: prioridade 01 para parar um veículo (profissionais)

Situação Freqüência

Independe 145
Carro de luxo dirigido por negro 77
Carro popular dirigido por negro 33
Carro popular dirigido por mestiço 28
Outro 21
Carro de luxo dirigido por branco 19
Carro popular dirigido por branco 17
Carro de luxo dirigido por mestiço 11

Fonte: Barros (2006, p.100)

Quando questionados sobre a prioridade 01 para parar um veículo, os dados da tabela 02 sinalizam que os policiais tendem a priorizar, com exceção da opção independe, primeiro os negros, depois os mestiços e, por último, os brancos.



Tabela 03: cor do menos suspeito x tipo de carro ( Profissionais)

O menos suspeito Freq. %

Independe 239 53,1
Branco dirigindo carro de luxo 78 17,3
Branco dirigindo carro popular velho 30 6,7
Outro 30 6,7
Negro dirigindo carro de luxo 24 5,3
Branco dirigindo carro popular 21 4,7
Negro dirigindo carro popular velho 20 4,4
Negro dirigindo carro popular 08 1,8
Total 450 100,0

Observação: 19 não informados
Fonte: Barros (2006, p.100)

Quando questionados sobre o menos suspeito versus o tipo de carro, conforme a tabela 03, não resta dúvida que, entre os policiais, o menos suspeito é uma pessoa branca dirigindo um carro de luxo. Dessa forma, conforme os dados revelados nas tabelas acima, a filtragem racial é uma realidade. Assim, para que se tenha uma polícia democrática, antes de tudo, é preciso reconhecer essa realidade, para depois desenvolver mecanismos institucionais para erradicá-la.




Referências

AMAR, P. Táticas e termos da luta contra o racismo institucional nos setores de polícia e de segurança. In: RAMOS, S. e MUSUMECI, L. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 229-281.

BARROS, G. da S. Racismo Institucional: a cor da pele como principal fator de suspeição.Recife, 2006. 133 folhas. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)- Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Universidade Federal de Pernambuco.

HOLLOWAY, T. H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Tradução: Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997. Tradução de : Policing Rio de Janeiro: repression and resistance in a 19 th-century city.

MARIANO, B. D. Por um novo modelo de polícia no Brasil: a inclusão dos municípios no sistema de segurança pública. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

POLÍCIA DE CICLO COMPLETO

Constata-se que é pouco difundido o significado do chamado “Ciclo Completo de Polícia”, o qual segundo Rondon Filho (2003) é a execução das funções judiciário-investigativa e ostensivo-preventiva pela mesma instituição policial. Sendo que para isso tornar-se realidade no Brasil, conforme leciona Silva (2003) passa pela inevitável reestruturação do subsistema policial mediante emenda ao texto Constitucional Federal de 1988, precisamente o contido no Art. 144, artigos correlatos e demais diplomas legais inerentes ao assunto.
A partir destas razões e debates em torno desse assunto, é que entendemos plausível a temática para discussão através do presente artigo. Além disso, devemos lembrar que as relações sociais evoluem diariamente e as instituições policiais, para acompanhar essa evolução em seus diversos aspectos, devem aprimorar-se para evoluir junto, racionalizando meios e equacionando recursos, desde financeiros, tecnológicos, materiais e humanos, com objetivo de melhorar a prestação de serviço de segurança pública a sociedade, de forma eficiente e eficaz.

RESUMO DA ESTRUTURA ATUAL DAS POLÍCIAS DOS ENTES FEDERADOS

Silva (op. cit., p. 51), afirma que “o crime é um fenômeno normal de qualquer sociedade”, fenômeno esse tido como um dos responsáveis pela necessidade de regulação da vida em sociedade, para se manter um convívio social harmônico. E para esta situação surgiu a polícia, que no Brasil teve notória ingerência das forças armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), seja na composição ou na administração desse órgão estatal encarregado da “segurança interna”, como preferiam chamar em épocas ditatoriais.
Esse “amadorismo” na constituição da polícia brasileira, oriundo do estigma da segurança nacional essencialmente nos períodos de governos ditatoriais no Brasil, provocou verdadeiras “anomalias” no sistema de segurança pública nacional, dentre os quais, e mais discutidos na atualidade é a existência de duas polícias no âmbito estadual: Polícia Militar (também chamada de polícia administrativa ou ostensiva) responsável pela preservação da ordem pública através do policiamento ostensivo e preventivo; e Polícia Civil (conhecida também como polícia judiciária) responsável pela investigação (encontrar autoria e materialidade) dos crimes que a outra polícia (junto com a comunidade, segundo a visão de polícia comunitária) não “conseguiu” prevenir, tudo para que o Ministério Público inicie a ação penal. Assim comentou Hélio Bicudo (2000, p. 91) “Trata-se de um modelo esgotado e que fora montado, nos anos da ditadura militar, para a segurança do Estado, na linha da ideologia da segurança nacional (...)”.
Aspecto esse, materializado na Constituição Federal de 1988, na qual o legislador teve a oportunidade de reformular totalmente os órgãos de segurança pública brasileiro, até então fatigado, ineficiente e o que é pior, contaminado pelas mazelas típicas de regimes ditatoriais. Entretanto, apesar dos avanços constitucionais nos mais diversos segmentos da vida pública e social do país, muitos estudiosos e analistas brasileiros sobre segurança pública, dentre eles: o Antropólogo e Ex-Secretário Nacional de Segurança Pública Luis Eduardo Soares; o Coronel aposentado da PM de São Paulo José Vicente da Silva Filho; o Advogado, Jornalista e Ex-Deputado Federal Hélio Bicudo, criticam a forma como ficou delineada a área de segurança pública pelo constituinte de 1988, ainda mais após essa experiência de quase 20 anos de vigência desse modelo. Período mais que suficiente para analisarmos e compreendermos a inoperância das polícias estadual e distrital, no sentido de não contribuírem significativamente para redução ou pelo menos controle dos índices de criminalidade.
O Art. 144, §§ 4º e 5º do atual texto constitucional discrimina de forma sucinta a atribuição dessas duas polícias estadual/distrital. Desta feita, verifica-se uma padronização do serviço policial em todo território nacional, isso sem respeitar as peculiaridades de cada unidade da federação, que começam desde a extensão territorial, quantitativo populacional e culturas diferentes. Mesmo assim, temos obrigatoriedade em manter duas polícias de modo “padrão” no âmbito das Unidades Federativas, subordinadas aos Governadores. No entanto, são constituídas com aspectos diferentes, a começar pelas atividades distintas, estrutura hierárquica e disciplinar também diferente, sem contar a remuneração, que na maioria das polícias brasileiras há diferenças gritantes de uma para outra em termos de valores, provocando atrito entre os membros das duas corporações. Porém, ambas têm objetivos iguais: o controle da criminalidade, que sem a soma (unificação) de esforços, torna-se praticamente “impossível”.
Diante dessa vigente composição, observa-se um complicador a mais para essas instituições de segurança pública desenvolver, implantar e obter sucesso em políticas de segurança pública que tenha como objetivo o controle da criminalidade, principalmente quando esse objetivo está centrado na prevenção, o que sem dúvidas demanda esforços concentrados e mais que integrados. Isso sem acrescentar, que essas duas polícias, da forma como estão delineadas, não realizam o necessário ciclo completo de polícia, o que significa mais um argumento para realizar a reestruturação dos órgãos responsáveis pela segurança pública brasileira.

DISCUSSÕES PARA REESTRUTURAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA BRASILEIRO

Apesar de gestores públicos tomarem medidas que considerem de peso e capazes de evitar o recrudescimento da criminalidade, seja através da aquisição de armamentos e equipamentos, viaturas, ou aumento do efetivo policial nas ruas, poderão estar errando querendo acertar (SILVA, op. cit.). Assim sendo, é oportuno destacar a seguinte observação deste mesmo autor:
“(...) o fato de o Brasil ter uma organização político-administrativa sui generis. Parece óbvio, mas a muitos passa despercebido o dado de que o Brasil não é um país unitário. Este dado é significativo porque, com a queda da monarquia, cria-se artificialmente uma República Federativa num país de tradição centralizadora, onde se espera que tudo venha de cima para baixo. Tudo depende do poder central; hoje, do Governo Federal”. (op. cit., 2003, p. 53).

Deste texto, extraem-se indícios dos motivos pelos quais algumas ações no âmbito da segurança pública estadual/distrital não evoluem como deveriam e outras ficam estagnadas em virtude da vigente composição político-administrativa do Estado brasileiro. Daí entende-se o efeito da frase acima, em que gestores públicos poderão estar “errando querendo acertar”.
Após essa análise, vamos nos ater a algumas argumentações de Soares (2003), que relata sugestões aparentemente utópicas, mas, podem servir de parâmetro aos gestores públicos no instante de definirem prioridades a serem adotadas:
“1) (...) reforma do Estado, para que as ações governamentais possam ser integradas e racionalmente orientadas para a interceptação tópica das dinâmicas geradoras da criminalidade violenta, sem prejuízo das indispensáveis mas demoradas intervenções estruturais; (...) 2) reforma das polícias, via alteração constitucional e mudanças compatíveis com os marcos legais atualmente em vigência; 3) quanto a estas últimas, destaque-se a urgência da reforma gerencial e da racionalização do sistema, em benefício da implantação de políticas capazes de aprimorar a eficiência policial reduzindo-se a impunidade e que sejam compatíveis com os valores democráticos de respeito aos direitos humanos e civis”.

Esses itens estão mais bem detalhados no Plano de Segurança Pública para o Brasil do Instituto Cidadania, coordenado por Antônio Carlos Biscaia – atual Secretário Nacional de Segurança Pública.
A fim de subsidiar as sugestões acima, vamos conferir razões apontadas por Silva Filho (2001), ao se opor a integração sem unificação:
“1) não é verdadeira a idéia de que prevenção do crime - largamente atribuída às Polícias Militares - e a investigação das Polícias Civis sejam atividades tão diferenciadas e distanciadas que demandem organizações completamente diferentes em estrutura, treinamento, valores, áreas de operação, disciplina, normas administrativas e operacionais. (...)
2) Nas polícias modernas as funções de policiamento uniformizado e investigação devem boa parte de seus êxitos à interpenetração dessas funções, desde a fase de diagnóstico, planejamento e até a execução das ações.
3) A responsabilidade por uma área de ação policial é difícil de compartilhar. Em matéria organizacional é incompreensível dividir entre dois chefes a responsabilidade para planejar e executar ações de uma mesma atividade para conseguir resultados significativos. (...).
4) Estruturas diferentes que atuam no mesmo espaço sobre o mesmo problema tendem a constante rivalidade e atrito. (...).
5) (...)
6) A coordenação das polícias através da designação de uma pessoa de fora dos quadros policiais traz mais complexidade para o problema. Secretários da Segurança, que são chefes da polícia estadual sem serem policiais, terão dificuldade para compreender a complexidade do trabalho policial, o que dificulta a tomada de decisões críticas para promover a eficiência e eficácia do aparato policial, além de trazer problemas de aceitação de um chefe estranho ao meio policial.
7) O duplo aparato policial demanda dispêndios extraordinários com investimentos e custeios duplicados com instalações, equipamentos (...) estruturas administrativas e operacionais, o que compromete o limitado orçamento da segurança e até as possibilidades de pagamento de salários mais dignos”.

Silva Filho (op. cit.), ainda expressa alguns dos motivos pelos quais é mantida essa estrutura “bipartida e disfuncional de polícia no Brasil”:
“1) As polícias civil e militar, na maioria das vezes são comandadas por policiais que passaram a maior parte da carreira distanciados do fundamental policiamento territorial e, por isso, não conhecem intimamente o fundamento preventivo do serviço policial, que demanda a integração das atividades do policiamento uniformizado e da investigação. Esses chefes policiais acabam passando o conceito equivocado de organização policial às autoridades e à opinião pública. Lobistas das polícias, freqüentam o Congresso Nacional à margem dos governos estaduais e costumam ser da mesma estirpe da maioria dos chefes policiais, obcecados na manutenção do status quo, mas sem vivência do policiamento de base.
2) O governo federal, os governos estaduais, assim como os deputados e senadores, geralmente não têm idéia clara de como deveria ser um modelo funcional de polícia, nem de como isso seria importante para maior eficácia no controle da criminalidade. (...).
3) Freqüentemente são apontados modelos estrangeiros onde existe polícia militarizada para justificar a existência da polícia militarizada (como França, Portugal, Itália, Espanha, Argentina, Chile, Peru, Argentina, Colômbia). (...)
4) Outro argumento é o de que sem a disciplina militar, a polícia - no caso a militar - perderia sua capacidade de responder prontamente as ordens de seus superiores, seria mais vulnerável à corrupção e afrouxaria sua dedicação no atendimento das necessidades da população, além de favorecer a sindicalização, os movimentos contestatórios e greves de policiais. Esse argumento pode ser facilmente contestado: polícias altamente eficientes como as de Londres ou Nova York não são militarizadas, como não era militarizada a Guarda Civil de São Paulo, uma das melhores organizações policiais que já existiram no País. (...).
5) Uma restrição apontada é o gigantismo da polícia única com um poder ameaçador sobre a sociedade. (...). O argumento é falacioso pois, a rigor, a polícia opera de forma departamentalizada, quase como organizações autônomas nas cidades das regiões metropolitanas e no interior. O argumento de mútua vigilância é absurdo, pois as organizações públicas devem cumprir a lei e ser fiscalizadas por seus próprios responsáveis, pelo ministério público e pela própria população”.

Outro fato que tende a justificar a reforma da polícia e pesa até nos discursos favoráveis a unificação, assim como aos argumentos de polícia de ciclo completo é apontado por Rondon Filho (op. cit., p. 114), sobre a atuação das polícias estaduais (Civil e Militar) seja intencionalmente ou devido a natureza do serviço, elas acabam “invadindo” a área de atuação uma da outra, sendo constatado por exemplo que o serviço de inteligência da Polícia Militar, o qual é responsável pela investigação de responsabilidade da polícia judiciária militar (crimes militares) e fiscalização da disciplina interna, realiza costumeiramente serviços de polícia judiciária civil entrando numa esfera que não é de sua competência.
No mesmo rumo, ainda de acordo com Rondon Filho (op. cit., p. 114), a Polícia Civil, que deve e necessita executar seu trabalho veladamente e concentrar seus esforços na elucidação dos crimes ocorridos com objetivo de descobrir a autoria e materialidade do fato, de praxe, executa também em algumas ocasiões o policiamento ostensivo, invertendo, semelhante a Polícia Militar, os valores e objetivos das instituições policiais. Como já frisado, percebe-se uma inversão de valores, intencional ou não, onde a Polícia Militar quer ser judiciária civil e a Polícia Civil quer ser ostensiva, o que resulta nenhuma das duas polícias realizando suas funções a contento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final dessas colocações e análises observam-se alguns pontos relevantes a serem destacados para a segurança pública, sendo resumidos em justificativas e sugestões para a indispensável reestruturação. Alguns desses pontos, antes mesmo de serem efetivados em mudanças no texto constitucional e demais leis estruturantes, podem servir de parâmetros a gestores públicos no sentido de consolidarem ações de forma a proporcionar ganhos substanciais de produção dos serviços prestados, isto é, tentar desde já serem eficaz e eficiente mesmo com as atuais estruturas.
Diante da temática apresentada, é preciso lembrar que as instituições policiais ora citadas não têm somente pontos negativos em destaque, mesmo sendo eles mais latentes, existe também os pontos positivos que as enaltecem e garantem sua perpetuação enquanto instituição responsável pela regulação social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Câmara dos Deputados e Senado Federal, 1988.

Bicudo, Hélio. A unificação das polícias no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, vol.14, n. 40, p. 91-106, set.-dez. 2000.

RONDON FILHO, Edson Benedito. Unificação das Polícias Civis e Militares: ciclo completo de polícia. Monografia. Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2003.

SILVA FILHO, José Vicente da. Fundamentos para a reforma da polícia. Disponível em Acesso em: 20 jul. 2007.

SILVA, Jorge da. Controle da Criminalidade e Segurança Pública na nova ordem constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

SOARES, Luiz Eduardo. Reforma da Polícia e a Segurança Pública Municipal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2007.


*Soldado da PMRR; Bel em Seg. Pública pelo então ISSeC-RR, atual UERR; e Pós-Graduando do Curso de Especialização em Segurança Pública e Cidadania da Universidade Federal de Roraima.

O rito e a práxis policial

A relação entre o rito “sabe com quem está falando?” e a práxis policial

Geová da Silva Barros

Não é possível ter uma polícia democrática, enquanto os policiais forem vítimas do uso do rito “sabe com quem está falando?”. Roberto Damatta (1997), ao interpretá-lo, aduz que esse rito revela a existência dos mais “violentos preconceitos”, havendo ênfase na hierarquia social e na relação de intimidade com os detentores do poder como parâmetros que se sobrepõem ao conceito de que todos são iguais perante a lei. Para Damatta (1997,p.185), o sistema social brasileiro está estruturado de forma a manter uma hierarquia social, havendo em si um antagonismo entre a regra e a prática. Salienta ainda que

“é como se alguns fatores sempre estivessem presentes em nossa sociedade: primeiro, a necessidade de divorciar a regra da prática; segundo, a descoberta de que existem duas concepções da realidade nacional: uma delas é a visão do mundo como um foco da integração e cordialidade, a outra é a visão do mundo como feito de categorias exclusivas, colocadas numa escala de respeitos e deferências”(Damatta, 1997,p.186).

Segundo Damatta (1997, p. 195), o rito enseja no “estabelecimento de elos personalizados em atividades basicamente impessoais”. Assim, se um policial que trabalha no trânsito, ao comunicar a um indivíduo qualquer que o mesmo acaba de infringir as regras previstas no Código e por isso será multado, pois todo e qualquer cidadão deve cumprir essas regras, numa atitude totalmente impessoal, quando ouve do interlocutor o rito “sabe com quem está falando?” e o seu complemento “eu sou o desembargador Fulano de Tal ou o deputado Beltrano”, passa a refletir nas conseqüências advindas caso persista na impessoalidade de sua ação.

Os termos cidadão brasileiro e indivíduo refletem “papéis sociais universalizantes”, onde todos são iguais em direitos e deveres. Assim, quando um policial, no exercício de suas funções, demonstra um tratamento impessoal no desenvolvimento de uma ocorrência, indica que o interlocutor está sendo visto de uma forma universal. Por sua vez, ao dizer o rito “você sabe com quem está falando?”, o interlocutor faz com que o tratamento passe do campo da universalidade para o da pessoalidade. Na linguagem de Damatta (1997, p. 220), verifica-se que

“no Brasil, tudo indica que a expressão permite passar de um estado a outro: do anonimato ( que revela a igualdade e o individualismo) a uma posição bem definida e conhecida ( que expressa a hierarquia e a pessoalização ); de uma situação ambígua e, em princípio, igualitária, a uma situação hierarquizada, onde uma pessoa deve ter precedência sobre a outra. Em outras palavras, o “sabe com quem está falando?” permite estabelecer a pessoa onde antes só havia um indivíduo”.

Existem duas questões que devem ser consideradas no uso desse rito. A primeira pode ser entendida como a categorização da cidadania: cidadãos de primeira categoria, de segunda, de terceira, etc. Os de primeira categoria são os interlocutores do rito, homens e mulheres que se colocam acima das leis, normalmente são indivíduos que possuem cargos públicos proeminentes ou gravitam em torno do poder. Normalmente, não se diz o rito quando se está certo. Assim, os policiais são intimidados e pressionados a não cumprirem a lei, justamente por aqueles que mais deveriam obedecê-la. Além disso, esse rito contribui para uma prática policial mais discriminatória. Barros (2006, p.94), ao aplicar questionários para 469 policiais militares da Polícia Militar de Pernambuco, identificou que 77, 3% já haviam sofrido a injunção do rito, enquanto 13,5% afirmaram não ter sofrido essa injunção, tendo 9,3% respondido que não lembravam. Nessa perspectiva, os dados indicam que o uso desse rito é muito mais usual do que se imaginava.

Por outro lado, Barros (2006, p.95) também procurou verificar se os policiais, em algum momento da carreira, já haviam priorizado abordar negros ou pardos para depois abordar os brancos. Conforme os resultados, 45% responderam que, em eventos diversos, nos quais negros e brancos freqüentavam o mesmo espaço, já priorizaram a bordar os negros e pardos.

Procurando verificar se havia uma relação entre “já priorizou abordar negros ou pardos” e “sabe com quem está falando?”, Barros (2006, p. 95) fez o cruzamento entre os dados, a fim de aferir o grau de dependência. Conforme os dados levantados, dos 205 policiais que já abordaram em virtude da cor, 164, representando 80%, já passaram pela experiência do rito “sabe com quem está falando?”. Quando se considera os 247 policiais que afirmam não ter abordado em virtude da cor, 185, representando 74,8%, já passaram pela experiência do rito. Assim, verifica-se uma diferença em favor do sim/sim de 5%. Aplicando o teste Qui-Quadrado de Pearson, para verificar o nível de associação entre as duas variáveis ( sabe com quem está falando? e Já priorizou?) a partir da hipótese nula de que as variáveis envolvidas são independentes, Barros (2006, p. 95) identificou que há uma rejeição à hipótese nula a um nível de significância de 0,022 , ou seja, a variável “já priorizou?” guarda uma certa dependência do rito “sabe com quem está falando?”. Nessa perspectiva, os dados sinalizam que o rito contribui para aumentar a discriminação racial.

Duas questões interessantes: a primeira é que 228 policiais afirmaram que o interlocutor era branco, contra 68 pardos e 6 negros; a segunda, revela que os interlocutores do rito são geralmente advogados, políticos e seus assessores, juízes e promotores.De acordo com os dados apresentados neste trabalho, preliminarmente pode-se aduzir que os policiais, ao sofrerem a injunção do rito, entendem que a estrutura de poder do Estado ou da instituição não lhe fornece condições de aplicar a lei àqueles que se julgam acima do ordenamento legal do país. Estando enfraquecido nessa relação de poder, resolvem não mais abordar as pessoas que possuem o perfil do interlocutor do rito, focando suas atenções aos que possuem o perfil oposto. É lógico que essa hipótese deve ser aprofundada e que outros fatores aqui não cogitados também contribuem para o racismo institucional. Ademais, ressalto que enquanto houver diferenças de cidadania e o não fortalecimento dos policiais na condição de servidores da sociedade, não há de se ter uma práxis policial democrática. Por outro lado, nada justifica a discriminação racial.




Referências

BARROS, G. da S. Racismo Institucional: a cor da pele como principal fator de suspeição.Recife, 2006. 133 folhas. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)- Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Universidade Federal de Pernambuco.

DAMATTA, R.Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro.6ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.