terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Crime de prioridade

Ensaio sobre legalidade e moralidade na definição da lei orçamentária

Ontem assisti a um discurso pronunciado pelo insigne senador da república Cristovam Buarque, eminente pernambucano, reconhecido no cenário político nacional pelas suas colocações em prol da educação como esteio das mudanças que tanto o Brasil precisa. Na ocasião, o pronunciamento do parlamentar brasiliense questionava o conceito da verdade, ampliando-lhe a importância para além de todo e qualquer maniqueísmo, pondo-o acima das radicalidades do é ou não é, e dando-lhe a sensata posição de ambivalência, reflexo do pensamento complexo e resultante da análise de variáveis nem sempre tão claras e evidentes.
O fato que mais me chamou a atenção foi a reflexão sobre a corrupção e seu alcance, espraiando-se na lei e na legalidade, sem, contudo, preocupar-se com a moralidade das ações emanadas do poder público. Essa me parece ser uma colocação por demais adequada para tentar entender o processo pernicioso que envolve a atividade pública brasileira. Pois, segundo aquele parlamentar a corrupção está muito mais arraigada no poder público brasileiro do que podemos imaginar ou mesmo nos apercebermos.
Classifica o ilustre senador de crime de prioridade o que acontece nas leis orçamentárias por esse Brasil afora, onde há recursos dos mais diversos para ações que poderiam ser realizadas de forma menos suntuosa e com significativa economia ao poder público, que, em última instância, representa o esforço de toda a sociedade contribuinte de impostos. Portanto, merecedora da atenção e da responsabilidade das autoridades detentoras do poder, ou melhor definindo, da classe política nacional.
É crime de prioridade a reforma no apartamento funcional do reitor da UNB, luxuosamente transformado para fruição e deleite do reitor e seus convivas, enquanto várias dependências do Campus Universitário careciam de reformas muito mais urgentes e necessárias. No entanto, nada do que foi feito, até que se prove o contrário, deu-se de forma ilegal (às vezes esquecemos o principio da presunção de inocência). Mas, no dizer do senador (com o qual corroboro na íntegra), em muitos pontos as leis orçamentárias votadas nas diversas câmaras parlamentares brasileira, legalizam gastos cujas essências caminham contrariamente ao princípio da moralidade, que deve reger todas as atividades humanas e, em especial, ao poder público, que exercido por concidadão, foi escolhido como representante da sociedade à promoção do bem comum.
É crime de prioridade, portanto, a construção de prédios públicos que ganham em suntuosidade do “Taj Mahal”, cinzeiros de prata, cartões sem limites, fachadas e mais fachadas de puro granito, carros e mais carros de alto luxo para regalo de autoridades e familiares, telefones celulares de contas impagáveis para qualquer normal. Em especial, para aqueles que costumam utilizar o “celular de pobre” – só liga com 9090 na frente (ligação a cobrar) - ou então paga acachapante 1 real por minuto.
É crime de prioridade investir tanto na formação de doutores (que vão embora do país depois de formados) e tão pouco na educação de base, é crime de prioridade não investir na formação e capacitação de professores, profissionais de saúde e de segurança pública, com seus salários irrisórios e o descrédito popular.
É crime de prioridade deixar de investir em políticas públicas de melhoria da qualidade de vida tais com saneamento, habitação, saúde, educação, hospitais, eletrificação, formação e qualificação de mão-de-obra, dentre outras áreas de importância vital à nação.
Parabéns ao senador Cristovam Buarque pela sua clarividência e compreensão dos “nós” que atam o crescimento do país e mais ainda, da verdadeira nação brasileira.
Espero que a classe política ponha esse discurso em pauta e, quem sabe, tenhamos um pouco mais de moralidade como princípio maior da execução financeira dos entes estatais nas suas diversas esferas, norteando o uso do dinheiro público para o bem comum e não apenas para o regalo de alguns privilegiados.

Alexandre Carneiro Gomes de Melo
É Pós-Graduado em Educação pela UFRPE
Presidente do Instituto Collectivus
(www.collectivus.org)
Autor e mantenedor do Blog do Limão
(http://gomeslimao.blogspot.com)

Um comentário:

Anônimo disse...

Alexandre,

Fiquei muito feliz que o meu discurso chegou até você, ainda mais com o seu artigo e ainda mais saber que é Major da PM.
Quero divulgar seu artigo pelo meu site.
Abraço,
Cristovam


www.cristovam.com.br

www.cristovam.org.br